SIMPLICIDADE
Chove. Sombra e silêncio. Que saudade
Chove. Sombra e silêncio. Que saudade
No coração vazio…
Há na minh’alma a dúbia claridade
Deste dia sombrio.
Pelos húmidos vidros das janelas,
Baços pela friagem,
Vejo a dança das folhas amarelas,
Ao balanço da aragem.
Acaso eu amo, para sofrer tanto
Esta mágoa profunda?
E olho cair a chuva, como o pranto
Que os meus olhos inunda.
A alma, deserta. A estrada, erma e tristonha.
E recordo o passado,
No vago misticismo de quem sonha
Um sonho abandonado.
Invade-me a tristeza, indefinida,
Dispersa no ar, lá fora.
Penso numa mulher, quase esquecida,
Que muito amei outrora.
A ária da chuva, tremula, de leve,
Tamborilando, passa.
E, docemente, a minha mão escreve
Um nome na vidraça.
Brilham as letras, vivas, irisadas
De efémeras cambiantes,
Mas, em pérolas finas transformadas,
Escorrem gotejantes.
E o coração, no cárcere do peito,
Ouço, de quando em quando,
Soluçar, vendo em lágrimas desfeito,
Esse nome chorando…
Fria, de cada sílaba pendente,
Uma lágrima desce…
E eis que o nome se apaga lentamente;
Por fim, desaparece.
Tudo, tudo na vida brilha e passa,
Miragem de um momento,
Dando a impressão de um pouco de fumaça
Sobre as asas do vento.
Tu és como este céu, cinzento e triste,
Ó minh’alma viúva!
Tens a mesma tristeza que sentiste
Na música da chuva.
In: Martins Fontes, José. Verão. 5ªed. Caldas da Rainha, Martins Fontes – Portugal, 2008, p.230-232.
Sem comentários:
Enviar um comentário